[Resenha] O Diário de Anne Frank
- Luana Alves
- 14 de fev. de 2017
- 4 min de leitura
Terça-feira, 13 de fevereiro de 2017.
Querida Kitty,
Há 75 anos uma pequena garota judia começou a escrever para você. A princípio, suas intenções eram bem simples, poder desabafar sobre seu universo adolescente, compartilhar com uma “amiga” as dores e alegrias da juventude.

“Para destacar em minha imaginação a imagem da amiga há muito tempo esperada, não quero anotar neste diário fatos banais do jeito que a maioria faz; quero que o diário seja minha amiga, e vou chamar esta amiga de Kitty.” – Pág. 17
Mas, naquela época, o mundo era um verdadeiro hospício (só naquela época?). Por isso, talvez, aqueles acontecimentos receberam o apelido de HOLOCAUSTO. Minorias eram perseguidas, presas, maltratadas, forçadas a trabalhos pesados, torturadas, assassinadas. E no meio desse horror encontramos Anne Frank.
Como já faz muitos anos, Kitty, talvez você não se lembre de Anne. Apenas algumas semanas depois de ganhar o diário, sua família se viu obrigada a se proteger dos nazistas; Anne e sua família foram escondidos em um anexo secreto e ajudados, por bons cristãos, a se manterem seguros. Claro que ser invisível não é fácil, e viver sob uma empresa que comercializava temperos exigia muitos sacrifícios. Tinham horários para dar descarga, por exemplo. Só era permitido quando a fábrica estivesse vazia. Lavar roupa, tomar banho, só aos domingos, quando todos estavam de folga. Falavam aos sussurros, para não serem ouvidos. Não sentiam a luz do sol, a brisa do vento, não podiam abrir as janelas ou descobri-las. Precisavam dividir tudo com uma outra família judia que também estava escondida. A intimidade por viverem juntos 24 horas por dia, 7 dias por semana, 30 dias por mês, gerou muitos conflitos, claro.
Anne escreveu a você sobre o dia-a-dia no anexo. O que comiam, os motivos das brigas, as pequenas e felizes comemorações, sobre como ficavam com medo durante os bombardeios e as invasões de ladrões à fábrica. Anne desnudou seus sentimentos, falou sobre como se sentia em relação aos pais, a Peter (que também estava escondido no anexo), sobre o que pensava da guerra e o que faria quando ela terminasse.
“Fizeram questão de lembrar que somos judeus acorrentados, acorrentados num lugar, sem qualquer direito, mas com mil deveres. Devemos colocar os sentimentos de lado; devemos ser corajosos e fortes, suportar o desconforto sem reclamar, fazer o máximo possível e confiar em Deus. Algum dia essa guerra terrível vai terminar. Chegará a hora em que seremos gente de novo, e não somente judeus.” – Pág. 271
“Depois dos acontecimentos horríveis de ontem, finalmente alguma coisa boa acontece e nos traz... esperança! Esperança de um fim para a guerra, esperança de paz.” – Pág. 126
Anne passou mais de dois anos naquele sótão, e encontrou grande conforto ao escrever para você, Kitty. Lendo sobre a vida dela, não pude evitar me sentir uma amiga daquela garota. Anne se expôs, sua intimidade, seu verdadeiro eu foi compartilhado com você e, anos mais tarde, comigo (e com tantos milhões de pessoas que tiveram acesso ao seu diário). Mas fique tranquila, era o desejo de Anne publicar seu testemunho ocular sobre a guerra. Seu desejo foi respeitado, e mesmo que ela não saiba, realizou seu grande sonho.
“A não ser que você escreva, não saberá como é maravilhoso; eu sempre reclamava de não conseguir desenhar, mas agora me sinto felicíssima por saber escrever. E, se não tiver talento para escrever livros ou artigos de jornal, sempre posso escrever para mim mesma. (...) Não quero que minha vida tenha passado em vão, como a maioria das pessoas. Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àquelas que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte! E é por isso que agradeço tanto a Deus por ter me dado esse dom, que posso usar para me desenvolver e para expressar tudo o que existe dentro de mim.” - Pág. 260
Gostaria de dizer para Anne que ela conseguiu, se tornou uma grande escritora com livro publicado e mundialmente comercializado. Gostaria de dizer que ela tinha mesmo muito talento, que seu sarcasmo foi percebido por mim e que ri com ela em vários trechos. Que ela era engraçada, verdadeira, humana e boa (apesar de tantos comentários ferinos sobre os companheiros do anexo).
A pequena Anne nos mostrou um outro lado para guerra. Aquele que não era político, cheio de estratégias e frieza. Ela deu voz a tantos mortos que foram enterrados em valas comuns. Ela mostrou como é ser civil num país que está sendo assolado pelos bombardeios. Ela mostrou como é difícil quando você é o perseguido por ser diferente.
A humanidade ainda tem muito o que aprender! Mesmo depois de tantas pessoas lerem e se emocionarem com o relato honesto sobre as pessoas do anexo, depois de a humanidade lamentar profundamente a perseguição a judeus, negros, testemunhas de Jeová e tantos outros durante o nazismo, continuamos a fazer guerra.

Recentemente, Kitty, uma garotinha de apenas 7 anos, Bana Alabed, usava o Twitter para compartilhar os horrores vividos por eles em Aleppo, na Síria. As guerras continuam, num lugar após outro. E por mais que eu me esforce, nunca vou entender os motivos que dão para justifica-las. É mesmo o fim do mundo.
Terminei O Diário de Anne Frank com um peso tão grande sob o peito! Eles chegaram tão perto!... Chorei por Anne, Margot, Edith, Peter, pelo Sr. E Sra. Van Daan e por Dussel. E por todos os outros que foram perseguidos e/ou mortos pelos nazistas, pela 2ª Guerra, pela 1ª Guerra e por todas as outras passadas e atuais. É tão injusto, Kitty!
“Dá para chorar ao pensar no sofrimento das pessoas das quais a gente gosta; na verdade, daria para chorar o dia inteiro. O máximo que a gente pode fazer é rezar para que Deus faça um milagre e salve pelo menos alguns deles. E espero estar rezando bastante.” – Pág. 167
TÍTULO: O Diário de Anne Frank
EDITORA: Record, 60 ª edição, 2016
Edição definitiva por Otto Frank e Mirjam Pressler.

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