[Resenha] A Cor Púrpura - Alice Walker
- Luana Alves
- 23 de fev. de 2017
- 4 min de leitura
Hey!
Li um texto do Professor Leandro Karnal em sua página do facebook recentemente que não saiu da minha cabeça. Era sobre ler os clássicos da literatura:
“Entre conhecer um autor recente e sem certeza de ser bom ou reler uma peça de Shakespeare, compreendo mais mestre Houaiss. Ele tinha prazer no reencontro e não no risco da descoberta. É bom ler gente nova. Assim descobri Valter Hugo Mãe. Mas pegar Crime e Castigo e rever a cena do assassinato é como reencontrar um amor de juventude. Um encontro às cegas é excitante, mas é um risco.”
E é isso mesmo. Ao pegar um livro recém lançado, mesmo os mais bem cotados, há sempre a chance de se decepcionar. Mas aqueles que já foram consagrados, premiados e estudados, só irão somar.
Digo isso depois de terminar a leitura de A Cor Púrpura, de Alice Walker, vencedor do prêmio Pulitzer de 1983. Tive dúvidas, a princípio, se havia sido uma boa escolha. Mas o terminei maravilhada.
TÍTULO: A Cor Púrpura
AUTORA: Alice Walker
LANÇAMENTO: 1982
PÁGINAS: 336
EDITORA: José Olympio
GÊNERO: Romance epistolar (redigido em forma de cartas)
Não recomendado para menores de 14 anos.


O livro é narrado por Celie e a narrativa começa quando ela tem apenas 14 anos, logo depois de ser violentada pelo pai. Depois do estupro, Celie decide que é melhor não contar para ninguém, já que sua mãe está muito doente. Então ela conta para Deus em forma de carta, a primeira de muitas que viriam. Era a primeira página e eu já estava em choque.
Se a vida de Celie era um inferno em casa, não muda quando ela se casa.
Seu marido, de quem ela não sabe nem o nome (o chama de Sinhô), bate nela, a humilha, faz com que ela trabalhe na roça e em casa, as crianças dele não a respeitam.
Anos e anos se passam, e a pobre da Celie só sofre.
As coisas começam a mudar quando a amante do seu marido, uma conhecida cantora chamada Shug Avery, fica doente e Sinhô decide que vai cuidar dela. Claro que quem cuida é a Celie e um carinho entre ela e Shug começa a surgir. Agora Celie tem uma amiga. Elas se cuidam e se defendem.
Quando Celie descobre que o Sinhô escondia as cartas que a irmã dela enviava, ela muda. Deixa de ser resignada para com o próprio destino. O ódio que ela sente pelo Sinhô vem à tona com força, e ela só não o mata porque a Shug a impede. Celie vai embora com Shug e começa a perceber que ela é alguém.
***
É um livro forte. A Celie sofre tanto!
"Eu detesto mesmo deixar você aqui com essas criança malcriada, ela disse. Sem falar no Sinhô. É como ver você interrada, ela falou.
É pior do que isso, eu penso. Se eu tivesse interrada, num tinha que trabalhar. Mas eu só disse, Num importa, num importa, enquanto eu puder escrever D-e-u-s, eu tenho alguma coisa."
"Você tem que brigar com eles, Celie, ela fala. Eu num posso fazer isso por você. É você mesma que tem de brigar por você.
Eu num falo nada. Eu penso na Nettie, morta. Ela brigou, ela fugiu. Que que isso trouxe de bom? Eu num brigo, eu fico onde me mandam. Mas eu tô viva."
"Eu sei o queu tô pensando, eu penso. Nada. E cada vez mais nada se eu conseguir."
E demora muito, muito mesmo, para que ela perceba que merece ser respeitada e que faça algo para isso acontecer.

A gente acompanha o amadurecimento da pequena Celie. De uma adolescente que foi estuprada pelo próprio pai, abusada de várias formas pelo marido, pisada por todos que convivem com ela. Mas, as coisas vão mudando. Ela conhece mulheres fortes, como Sofia e Shug, e ela vê que é possível ser diferente, que ela pode lutar. Shug a ajuda a se sentir amada, a descobrir que pode amar alguém além da irmã há muito desaparecida. Ela começa a ter uma outra visão sobre Deus, sobre espiritualidade.
"Quando eu discubri queu pensava que Deus era branco, e era homem, eu perdi o interesse."
"Você tá dizendo que Deus é vaidoso? eu perguntei.
Não, ela falou. Num é vaidoso, só quer repartir uma coisa boa. Eu acho que Deus deve ficar fora de si se você passa pela cor púrpura num campo qualquer e nem repara."
E aí a Celie muda. E a partir do momento que ela muda, seu discurso muda, suas cartam mudam (agora são direcionadas para Nettie, sua irmã mais nova), seu posicionamento muda. Acompanhar a evolução da Celie é lindo! Fiquei extremamente emocionada em vários momentos.
É um livro sobre racismo, agressão sexual, machismo e abusos.
"Ele riu. Quem você pensa que é? ele falou. Você num pode amaldiçoar ninguém. Olhe pra você. Você é preta, é pobre, é feia. Você é mulher. Vá pro diabo, ele falou, você num é nada."
Celie era invisível, a princípio. Mas ela cresce tanto! E apesar desses temas absurdamente pesados, a mensagem do livro é extremamente feminista e empoderadora. Se a Celie conseguiu se libertar de todos esses preconceitos e amarras, todo mundo consegue.
Não achei a leitura fluída por dois motivos. 1. O trem é forte. Dependendo da carta que ela redigia, do que ela contava, eu precisava de algum tempo para digerir e voltar à leitura. 2. Celie é semianalfabeta. As cartas que ela escreve são cheias de erros de português, pontuação confusa e quase inexistente. Precisei reler alguns trechos mais de uma vez para entender quem estava falando o quê. Isso deixava cansativo.
Mas não desista da leitura, sério! Aprendi tanto com essa semianalfabeta! A cor púrpura é a exaltação dos humilhados, dos oprimidos, do povo mais simples. A realidade mais feia é exposta de forma escancarada. É assim que é o mundo. É o que as mulheres sofrem. O que os negros sofrem. O que os pobres sofrem.
Só que não é só isso. É também sobre luta, força, garra e superação.
"Eu tô tão calma.
Se ela voltar, fico feliz. Se ela num voltar, fico contente.
E aí eu fico imaginando que era essa a lição queu tinha que aprender."
Tem um filme também, baseado no livro. Foi indicado a 11 Oscars e a Celie foi interpretada pela Whoopi Goldberg.
(✧ω✧)

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